Oração ao tempo: o preço de viver sem pausa
- Priscila Richter
- 21 de mai.
- 2 min de leitura

“És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido.
Tempo, tempo, tempo, tempo”
(Caetano Veloso)
Há tempos reza-se baixinho uma prece silenciosa, quase um sussurro, a esse senhor invisível que é o tempo. Mas nos dias de hoje, não há tempo sequer para orações.
Vive-se na era do cronômetro impiedoso. Médicos têm quinze minutos para escutar dores que atravessam anos. Psicólogos são convocados a operar o milagre da escuta profunda em trinta minutos, como se feridas emocionais respeitassem prazos.
Uma paciente minha, que trabalha com suporte técnico, confidenciou que não pode mais colocar "pausa banheiro", pois precisa estar sempre disponível porque o cliente não pode esperar. Outro, da mesma área, contou que precisa responder a um e-mail em tempo cronometrado, não podendo se dar ao luxo de escrever um de cada vez, pois o seguinte já está em espera. O tempo virou patrão. E o trabalhador, súdito exausto.
As empresas querem mais com menos. Menos pessoas, mais tarefas. Menos pausas, mais produtividade. Menos humanidade, mais eficiência.
Mas onde é que ficou a vida?
“E ao partir dessa para melhor, Quero levar nenhum rancor...”
Talvez a maior tragédia dos dias atuais seja não se ter tempo para partir em paz. Vamos embora todos os dias, aos poucos, sem sequer nos darmos conta. A cada reunião sem alma, a cada almoço pulado, a cada afeto adiado.
Testemunho diariamente o sofrimento de uma sociedade que perdeu o compasso da sua própria música. Gente que já não se escuta, que vive para responder rápido sem sequer saber o que sente. O tempo, esse senhor bonito, foi sequestrado pela pressa.
Sigo, todos os dias, em oração ao tempo. Mas agora, minha prece é outra: que ele abrande os passos. Que nos devolva a calma. Que nos permita viver com presença e sentido. Porque no fim, o que vale mesmo não é o tempo que se tem, mas o que se consegue ser dentro dele.
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